Economia circular: novas perspectivas de produção e consumo

Você já imaginou vestir uma camiseta feita com garrafa pet? Isso é possível graças a um processo que transforma as garrafas pet em fios de poliéster. Para isso, elas são separadas por cor, moídas e fundidas a 300ºC para descontaminação.

A matéria resultante desse processo é moldada em filamentos e pode ser misturada a outras fibras têxteis como viscose, algodão, linho ou seda.

Esse exemplo ilustra um dos princípios da chamada economia circular. Nela, os recursos deixam de ser descartados e são reintroduzidos na cadeia produtiva, iniciando um novo ciclo.

Ao contrário da economia linear, que se baseia na extração de recursos para a produção de bens que serão descartados após seu uso, a economia circular tem como características:

  • O reuso dos produtos por parte do próprio consumidor final;
  • A remanufatura (reutilização), ou seja, a possibilidade de desmontar o produto usado, limpar suas peças, reparar ou substituir partes danificadas;
  • A reciclagem que implica transformar os resíduos ou produtos inúteis e descartáveis em novos materiais ou produtos de maior valor, uso ou qualidade (https://alias.eureciclo.com.br/).

O debate sobre economia circular vem ao encontro da necessidade de preservarmos os recursos naturais que são finitos e assegurar qualidade de vida para as gerações presentes e futuras.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 7 bilhões de pessoas produzem anualmente 1,4 bilhão de toneladas de resíduos sólidos (média de 1,2 kg por dia per capita).  Em dez anos, serão 2,2 bilhões de toneladas anuais.

Já em 2050, a previsão é chegarmos a 9 bilhões de habitantes, gerando cerca de 4 bilhões de tonelada de lixo urbano por ano.

Porém, a mudança de paradigma implica preparar toda a cadeia produtiva. Surge então a demanda por uma logística diferenciada que possibilite imprimir ritmo e velocidade a todo o sistema.

A logística reversa passa a ser um ponto importante na engrenagem. Com ela é possível devolver à indústria os resíduos sólidos.

Quando falamos logística reversa, entende-se que cada agente tem um papel a cumprir para que seja possível efetivar as etapas de remanufatura e reciclagem. São eles:

  • Os consumidores ao devolverem produtos inutilizados em locais específicos;
  • Os comerciantes ao instalarem locais para a devolução;
  • As indústrias ao retirarem os produtos e reciclá-los ou reutilizá-los e, por fim,
  • Os governos ao promoverem campanhas de conscientização e, ainda, ao criarem mecanismos que estimulem a participação das empresas e da sociedade.

Um exemplo disso é o Projeto Assumir, da Meiwa Embalagens, que promove a logística reversa e a reciclagem de EPS (Isopor®).

Participam do projeto cooperativas, associações, ONGs, sindicatos, escolas, varejo, poder público, empresas recicladoras e outros parceiros.

Dentre as ações desenvolvidas, destacam-se: a cessão em comodato da máquina redutora do EPS (Isopor®), a capacitação e assistência técnica contínua para as cooperativas e instalação de PEVs (Pontos de Entrega Voluntária) exclusivos para o EPS (Isopor®). (http://www.meiwa.com.br/)

Oportunidades de negócios

Empresas cujo processo produtivo esteja alinhado aos princípios da economia circular ou que ofereçam tecnologia a empresas interessadas em dar outra finalidade aos seus resíduos têm grandes chances de crescimento e valorização no mercado.

Na área de construção civil, temos a startup Nossa Casa Planejada, empresa de Tocantins, que concebeu uma tecnologia que permite produzir blocos modulares a partir de resíduos de construção e mineração.

Como não há a necessidade de uso de cimento e por se tratar de uma estrutura modular, os custos da obra ficam mais acessíveis.

Outro exemplo de negócio inovador é a Lepri Finas Cerâmicas Rústicas.  Vidros de lâmpadas fluorescentes, de telas de televisão e de monitores de computadores são utilizados como matéria-prima.

Atualmente, 99% dos produtos da marca são compostos de até 25% desses materiais. Cinzas e resíduos da fábrica também entram na composição dos produtos.

Já a certificação de produtos e a revenda de peças resultantes da desmontagem de equipamentos impulsionam empresas como a Recicladora Urbana, que oferece a empresas uma certificação para produtos de telecomunicações e TI no final de seu ciclo de vida. Tudo isso em conformidade com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. (https://www.trilhoambiental.org/)

Empresas constituídas dentro da lógica da economia linear também podem implementar processos alinhados à economia circular. Porém, terão mais dificuldades, pois virar a chave não é tão simples assim.

Diego Iritani (fundador da Upcycle) em entrevista à Ideia Circular, chama atenção para o fato de que, numa grande empresa, as pessoas estão mergulhadas numa rotina já cristalizada, sobrando “pouco tempo para mudar, inovar”.

Além disso, os custos para passar de uma lógica de produção linear para a produção circular assustam, inviabilizando uma transição plena.

Ele observa que essas empresas têm buscado trabalhar em parceria com “start-ups ou lançar spin-offs, como no caso da Embraco que lançou a Nat.Genius e da Sinctronics, que veio da HP”.

As spin-offs são empresas que nascem a partir de outra empresa (empresa-mãe) ou de uma universidade para atender a uma necessidade específica.

Essa alternativa representa “um risco bem menor do que o de você mudar de uma vez todo seu modelo de negócio”, o que favorece grandes empresas que visam ingressar na economia circular, destaca.

Pacto para uma economia circular

Em março de 2020, a Comissão Europeia elaborou um  Plano de Ação para a Economia Circular (https://www.europarl.europa.eu/portal/en)

O documento traz propostas voltadas especialmente aos setores de tecnologia da informação e comunicação (TIC), plásticos, têxteis e construção civil que usam intensivamente recursos em sua cadeia produtiva

Um dos objetivos do plano é assegurar que os produtos colocados no mercado da União Europeia tenham um ciclo de vida mais longo.

A constituição de uma legislação que desestimule a obsolescência programada por parte das indústrias vem ao encontro disso.

No entanto, outros fatores são apontados no Plano como a necessidade de ofertar produtos que sejam mais fáceis de reutilizar, reparar e reciclar.

Assim como a possibilidade de conter em sua composição materiais reciclados em substituição a matérias-primas primárias.

Contudo, os consumidores também são considerados no Plano que prevê ações que informem mais e melhor as pessoas sobre o ciclo de vida dos produtos por exemplo.

O processo de mudança de uma economia linear para uma economia circular envolve também o trabalho dos designers de produto.

O design circular busca aliar estética, usabilidade e eficiência, criando produtos que possam ser reutilizados.

Para Pieter Van Os, cofundador do movimento holandês Circo (Creating business through Circular Design), “ter novos produtos para reutilizar impede que o valor se destrua”.

O Circo presta suporte a mais de 400 empresas interessadas em implantar projetos de design circular.

Ele destaca ainda que uma das estratégias para prolongar o uso de um produto e frear o consumo desnecessário é apelar para o apego das pessoas, encorajando um maior cuidado com seus objetos.

A criação de produtos de fácil reparo também é um caminho segundo Van Os. Se o próprio consumidor puder fazer o reparo sem depender de terceiros, isso acaba estimulando a preservação do produto por mais tempo, afirma.

A economia circular tem despontado como um caminho sem volta apesar de termos muito chão pela frente.

O potencial de geração de emprego é animador. Só na União Europeia e estimativa é de que – até 2030 – sejam criados mais 700 mil novos postos de trabalho.

No entanto, a aceleração do processo depende ainda de incentivos governamentais e leis que proíbam ou, pelo menos, limitem práticas danosas ao meio ambiente.